Um game que nunca coloca o jogador em uma posição de desespero parece desinteressante e pouco desafiador. Afinal, se o jogador não está sempre correndo o risco de morrer, de ter um game over, de ter estar nessa situação desesperadora em que a habilidade conta muito, o que é interessante em jogo? A própria natureza do lúdico implica em uma vitória e em uma derrota. Entretanto, o que é vitória e o que é derrota?
Eis a realização: perceber que derrota e vitória são dois conceitos são relativos ao referencial como qualquer outro. Perde-se com relação àquilo que se quer ganhar. A natureza do game over mais comum, aquele em que o jogador deve recomeçar do último save state ou do último checkpoint é que a vitória no jogo está simplesmente no fato de se continuar jogando. Matar o chefão não é vitória, passar aquela fase difícil não é vitória: esses são simplesmente pontos importantes de tensão no jogo. Pensando nessa relação de oposição, morrer em um chefão ou não conseguir passar a fase não significa necessariamente perder, mas sim, não conseguir mais jogar. Não prosseguir.
Podemos pensar, portanto, que todo jogo já espera que o jogador ganhe. Todo jogo eletrônico tem embutido em si a programação de que o jogador vai ganhar, e dado isso, o jogo prossegue. Porque se o jogador não ganha, o jogo não continua. A pessoa pode se sentir ofendida pelo nível de dificuldade e abandonar o jogo. Em casos mais extremos, quebrar o controle. Ou o console.
Então todo jogo espera que o jogador ganhe, e pior: contribui para isso, retribuindo o jogador com mais jogo. Pensando dessa maneira, qualquer estrutura de jogo parece basicamente chata e enfadonha, porque nada de novo estamos fazendo ali e em nada estamos contribuindo. O que nos salva é a nossa percepção e, digamos, a nossa ingenuidade para certas coisas. Jogar é bom e gostoso, uma atividade que me causa grande alegria e mesmo sabendo que o jogo sempre quer que eu ganhe e que eu, inegavelmente, sempre vou ganhar, não me desanimo. Porque isso não define se um jogo é bom ou ruim. O que define isso são uma série extensa de outro fatores que até hoje não foram completamente desvendados.
É por esse motivo – ganhar ou perder não importa em um game – que jogos sem game over são jogos do mesmo jeito que outros e mais: não merecem o seu preconceito. Isso porque ester jogos colocam outra noção de ganhar ou perder que não é a mais comum, e o jogador não se dá conta de que mais uma vez ele participa do ciclo de jogar para atingir aquele objetivo.
Jogos que foram feitos para serem “infinitos” de certa maneira, também podem ter um seu game over particular para cada jogador. Supondo quye Tetris é um jogo que foi feito para nunca acabar, isto é, um jogo que você joga hoje, amanhã, depois e sempre, ele em si possui dois pontos diferentes para o game over: o primeiro que é você sempre perde e sempre vai perder, não importa o quanto você jogue ou o quão bom seja, VOCÊ VAI PERDER (o que tornaria o jogo um beco sem saída – “para que jogar se eu só perco?”), e o segundo é que você pode ganhar a depender do que você DERTERMINAR que seja a vitória para você.
Meu objetivo, por muito tempo, foi fazer 150.000 pontos em Tetris e ver o foguete decolar. Consegui. E então parei de jogar por um tempo. Para o que eu mesma determinei para mim, foi suficiente, eu ganhei o jogo da maneira que quis. Jogos que não tem um game over canônico permitem que isso seja feito mais facilmente que em jogos que instituem a máquina do ganhar-padrão para continuar a jogar.
Por isso que Kirby: Epic Yarn é tão fabuloso. É um jogo que foi feito para colecionadores, para fãs da série Kirby, para entusiastas de coisas fofas, e para qualquer pessoa que goste de plataformers. Esse jogo não tem game over, como já mencionei. Você pode jogar da primeira fase até a última sem se preocupar em ter que treinar para passar tal fase, ou aumentar de level para mater um chefão: VOCÊ VAI CONSEGUIR TEMINAR ESSE JOGO, mesmo que de olhos fechados.
Mas o importante não é isso: a atração principal desse plataformer é simplesmente colecionar tudo o que se tem no mundo para colecionar. E não só os itens, as músicas secretas que se encontra em casa fase, os botões, os tecidos, papéis de paredes e afins. Isso inclui também ter um medalha dourada em cada fase, que significa que você fez um quantidade mínima de pontos que te mereceu essas medalhas. Os pontos são o mesmo número de pedrinhas coletadas (em Mário são moedas, em Sonic são anéis, em Kirby são pedrinhas brilhantes e coloridas). Em casa fase existem muitas e muitas pedrinhas para se coletar. O objetivo do jogador é, então, chegar ao final da fase sem perder nenhuma pedrinha, para que ele seja retribuído com a medalha dourada. E é aí que o jogo vai fazer você amaldiçoar universos.
As fases ficam mais difíceis e conplicadas a cada mundo – caso você se preocupe com as pedrinhas. Os inimigos, que não te matam, roubam as pedrinhas de você. E cada fase, mais e mais inimigos aparecem, com truques cada vez mais inovadores para fazer você cair no buraco, se jogar nos espinhos ou mesmo ir de cada com as bolas de fogo que eles soltam. Quando isso acontece, Kirby cai e se levanta, e continua a caminhar pela fase normalmente. Porém, você perde TODAS as pedrinhas. E isso não é uma questão de simplesmente começar de onde você parou. Isso envolve começar a fase de novo, do zero.
O desafio é imenso. A paciência requerida, também. E jogo não tem game over, mas ele te empurra até um limite muitas vezes maior do que um jogo que tem. E em Kirby, perder não é poder não continuar o jogo: perder é literalmente, PERDER mesmo, porque você perdeu as pedrinhas, tem que coletar todas elas de novo. E de novo. E de novo.
Claro que jogadores que não tem o espíritod e colecionador abandonam esta ideia. Mas é difícil ignorar as medalhas. É difícil olhar para uma medalha de bronze e se sentir feliz com ela. Em uma batalha entre você e você mesmo, como é possível aceitar que você fique em terceiro lugar?
O game over não existe, mas o jogo ainda é jogo: com todos seus créditos, méritos e desafios. Perder ou ganhar é somente uma questão de ponto de vista.