Sobre jogos sexuais, jogos violentos e todo o resto da mídia

Ultimamente, jogar e escrever sobre Catherine me fizeram pensar. Pensar em jogos, pensar em conteúdo, pensar em jogos sobre sexo violência, e pensar em como falar deles no Brasil.

É um problema que conhecemos bem – nós que estamos inseridos no cenário dos jogos eletrônicos. Sabemos bem o que a mídia já falou sobre jogos de computador. O consenso mais geral, e posso dizer isso com segurança, é que jogos, em especial jogos violentos, não são boa forma de entretenimento. Outro consenso geral é que jogos violentos influenciam a cabeça de jovens. Outro é que jogos de computador viciam.

Eu não estou escrevendo aqui para dizer que todas essas considerações são erradas – sabemos que elas são erradas e sabemos o quão equivocadas elas são.

Às vezes encontra-se uma notícia boa com relação aos jogos eletrônicos. Por exemplo, saber que o Wii estava sendo usado em clínicas de fisioterapia e reabilitação foi bom. Mas não o suficiente. Do meu ponto de vista isso é uma coisa boa, mais ainda significa que pessoas podem estar sendo privadas de outras narrativas que o Wii pode proporcionar ao serem levadas a pensar que o Wii só tem os jogos Wii Sports e Wii Fit. E mais: será que quem usa o Wii para se reabilitar sequer já ouviu falar de A Boy and His Blob? Provavelmente não.

Eu não sou desenvolvedora (ainda) e então não sei como o cenário de desenvolvimento de jogos no Brasil está atualmente. Mas vejo desenvolvedores independentes lançando aquilo que tem para oferecer. Mas chega até ser uma piada pensar em uma grande empresa de jogos brasileira. O motivo? Bem, creio que isso simplesmente não faz parte da nossa cultura de base como futebol ou samba faz. É uma questão histórica.
Mas ainda assim eu creio que deveria haver mais espaço. Deveriam haver mais discussões, mais diálogos, mais estudos nesse ramo. Eu creio que o videogame deva ser uma mídia mais abertamente explorada na realidade brasileira, que o videogame não pareça ser um objeto de apreciação de uma elite mais ou menos pseudo-intelectual.

Eu sei muito bem o que é isso. Indiscutivelmente eu enfrento isso no meu dia a dia e por muitas vezes com embaraço, porque os jogos eletrônicos são simplesmente uma realidade inexistente para alguns. Como meu projeto está inserido dentro do departamento de estudos literários, sou muitas vezes confrontada com os mais estranhos questionamentos. Por exemplo, já me perguntaram se Super Mario World tinha narrativa. Ou se eu achava que Quake tinha uma narrativa. Ou então já me pediram ajuda com configuração de celulares e computadores porque eu era a “menina do videogame”. Ok, nessas ocasiões eu soube resolver o problema, mas é muito ruim essa sensação de “alheio” que eu sinto muitas vezes por ser uma pesquisadora de literatura ergódica.

E vejo uma falha na comunicação. Nas disciplinas de discussão de estudos pós-modernos eu senti que Catherine seria uma ótima contribuição para estereótipos, sexualidade e feminismo, mas como eu poderia explicar? Talvez eu tivesse que gastar meia hora ou mais para fazer uma contribuição que deveria durar apenas 5 minutos, se eu estivesse falando de um romance.

E Catherine, ainda por cima, me trouxe mais problemas. Porque é inegável que um dos maiores apelos do jogo é a sua estética (aka, o gráfico muito bem feito e o sex appeal), senão ele não poderia ser chamado de um erogame dating sim; ele estaria indo contra o gênero. Minha questão é: se eu vou escrever sobre Catherine, se eu vou analisar os diálogos e as cenas, como eu faço isso em um meio aberto que é a Internet? O jogo é para maiores de 18 anos, totalmente direcionado para um público mais amadurecido. Não é que eu queira censurar meu texto para outras audiências, mas o meu objeto de análise já faz isso. A solução que eu encontrei foi uma que me livraria de maiores problemas caso alguém achasse que eu estivesse abusando da minha liberdade de expressão na internet: coloquei um aviso no início de meu texto.

Isso fica chato e extremamente retrógado. Porque realmente o jogo não tem nada de sexualmente explícito. Eu não recomendo que uma pessoa de 15 anos jogue porque ele provavelmente vai achar o jogo entendiante, e não porque ele não pode ver uma cena de beijo.
Isso também me faz refletir com relação a Dead Space. Se eu for fazer um texto sobre esse jogo extremamente violento, não devo eu colocar o mesmo aviso? Afinal o jogo é para maiores de 18 anos também. E, na minha opinião, esse é um jogo que eu jamais recomendaria para uma pessoa de 15, porque ele é realmente muito forte. É o que se espera de um jogo em que a forma mais eficaz de liquidar os inimigos é desmenbrando-os (e na versão do Wii ganhando pontos por isso).

Esse artigo que o Arthur Protasio escreveu no Gamasutra é muito adequado. Ele não só dá um belo apanhado do histórico que o Brasil tem em banir e censurar jogos como também traz uma opinião muito correta. Este texto que eu escrevo agora é  – espero – uma complementação bem particular. O problema não só vai, ele volta. E as consequências da problematização apresenta por Arthur em muito influi nessas considerações que eu faço aqui.
Como falar de um jogo para audiências leigas? Como explicar que jogos de celular e jogos de consoles são diferentes para uma pessoa totalmente leiga? Como deixar claro essa questão da narrativa para uma pessoa que não está por dentro desse debate teórico que, puxa vida, vai longe? Como escrever e divulgar um texto sobre um jogo extremamente violento?

Pode ser que eu esteja overthinking. Existem muitas e muitas reviews de jogos eletrônicos na internet, muitas delas de Dead Space, muitas delas de Catherine. Quem escreveu não parece estar preocupado. Quem leu, leu; não importa. Mas será que não importa mesmo? Será que o teu texto é tão estéril que efeito nenhum tem? Novamente, eu tenho um exemplo bom baseado em mim mesma: quando eu tinha 9 anos eu vi algumas vezes meu primo jogar Resident Evil, do PS1. Eu ficava aterrorizada, morria de medo. Só que não era só o jogo que me assustava. A revista que ele usava de guia também me apavorava. Eu lembro de ele ter pedido uma vez para eu ler na revista em voz altas as instruções, e aquilo foi horrível para mim. O jogo era para um audiência mais madura. A revista falava desse jogo. Eu tinha 9 anos e para mim as duas experiências (a de ver o jogo e a de ler) foram ambas horríveis.

Então eu fico pensando: joguei Dead Space, o original e a sequência. Achei muito bom, em especial o segundo porque o herói tava bastante badass. Quero escrever sobre isso e quero falar em especial dos gráficos e da estética. Mostro imagens? E se uma outra menininha de 9 anos aparecer aqui no meu site e ver isso?

Ou pior: eu escrevo sobre Catherine. Vem uma pessoa menor de idade, lê, gosta do que eu escrevi e fica muito interessado no jogo. Ele aluga, arruma emprestado, enfim. O responsável vê que ele está jogando um jogo em que uma personagem loira, extremamente sensual, fala com uma voz melosa o jogo inteiro. Se esse responsável for como meu pai, ele vai perguntar onde eu achei aquilo e eu vou responder. De quem é a culpa de certa maneira? Do meu texto.

Palavras, imagens e jogos têm poder. Enquanto a questão dos jogos eletrônicos não for esclarecida culturalmente de uma forma verdadeira no nosso país, eu jamais poderei ter um discurso “livre”. É uma mídia que sofre preconceito, é uma mídia mal-compreendida, é uma mídia subjulgada. Eu entendo que é um pouco meu dever mostrar o contrário, e por isso trabalho com uma pesquisa em jogos dentro de um círculo de estudos aparentemente impossível.

Infelizmente, existem mentes que já estão perdidas. Mas para as outras que não estão, espero que a popularização dos jogos e dos consoles ajude um pouco a impulsionar uma mudança de paradigma nesse país. Caso contrário, talvez pelo resto da vida acharão que eu tenho highscore no Snake só porque eu já joguei centenas de horas de RPG.

Clarissa Picolo é mestranda do Programa de Pós-Graduação em letras da UNESP, tendo como projeto de pesquisa estudar a narrativa de JRPGs. Ela escreve como convidada neste blog.