El Shaddai – e o duvidoso potencial do PS3

Isso que vou falar aqui é de muito interesse para quem se preocupa com o futuro do Playstation 3. Se você tem um, se você gostaria de ter um, se você aprova a existência desse console, essa review é para você.

Claro que eu também vou falar de El Shaddai. E, adianto, é um jogo muito bom por sinal. Perfeito, ainda mais, para usar de exemplo para aquilo que eu falarei aqui. El Shaddai foi o jogo que me ajudou a esclarecer algo que eu já vinha sentindo com o PS3 há um bom tempo já, e isso que eu percebi pode ser a ponta do iceberg de um problema bem maior pro console, tão grande que vai fazer com que ele afunde sem que seu potencial inteiro seja aproveitado.

Quem jogou FFIX sabe: o PS1 foi levado ao extremo nesse jogo. Quem jogou Xenoblade também: o Wii foi espremido até não sair mais nada. São dois consoles que tiveram seu potencial explorado em um nível máximo: deram, em plenitude, tudo o que tinham que dar. E creio que todos nós queremos isso do PS3. Imagine só o que seria esse “tudo o que ele tem que dar”, visto que ele é super potente. No entanto, até agora, fiquei a desejar. Ele foi lançado em 2005, já faz tempo. Até agora, parece que os jogos nem sequer relaram de leve no limite da máquina. O motivo? Bom, eu vi e ouvi que é muito difícil programar no PS3. Esse é um motivo. Contrariamente, é fácil programar no Wii. Joguei vários jogos pro PS3 já e alguns me desapontaram. Poucos me agradaram em plenitude, como Bayonetta. Muitos me entreteram, mas me deixaram com uma sensação entranha de desconfiança. El Shaddai: Ascension of the Metatron foi um deles.

Em primeiro lugar, fui atraída por esse jogo em virtude do proposta visual dele: cenários coloridos, de estéticas variadas e experimentais, alternâncias entre 3D e 2D, planos de fundo que simulam pinturas e que de alguma maneiras despertaram o sentimento Muramasa em mim. Depois vi que ele foi escolhido pelo Gamasutra como um dos Top 5 Cult Games de 2011, e isso me chamou muitíssimo a atenção – mesmo porque, como assim, cult game?

El Shaddai é um jogo que se baseia nas escrituras de Enoch, misturando de certa maneira suas histórias. Nesse jogo, mais especificamente, é a história da jornada que Enoch faz de volta para a terra, a fim de caçar sete anjos caídos e retorná-los para o céu, onde ficarão presos pela eternidade. Isso porque esses anjos cometeram três erros: a) sair do céu e ir para a terra; b) interferir na evolução natural da humanidade; c) se envolverem com humanos produzindo seres mistos conhecidos como nefilins. Nessa jornada, Enoch deve escalar uma torre onde esses tais anjos estão escondidos e por fim voltar para o céu (para quem não sabe nada disso, recomendo uma leitura dos links anteriores – se eu for explicar tudo aqui precisarei de outro post). Caso ele falhe, um conselho do céu vai decidir inundar a terra de forma a punir tais anjos e a humanidade, principalmente pela existência inaceitável dos nefilins.

Então, o que o jogador deve fazer? Simplesmente hack-and-slash (se ele não estiver interessado na história). Claro que a necessidade de se conhecer a história de Enoch fora do jogo é de fato uma desvantagem, mas de maneira alguma a “ignorância” faz com que o jogador não possa aproveitar a história do jogo e se sentir impelido a trazer esses anjos de volta.

 

Enoch tem um assistente, chamado Lucifel, que se comunica diretamente com Deus, informando-o do andamento da missão. É ele também que dá a armadura branca a Enoch e o ensina a usar as três armas sagradas. Ele também orienta Enoch para que sempre purifique a arma que está usando. Diante disso, ludicamente, o jogo funciona assim: você tem três armas à sua disposição que podem ser obtidas por hologramas soltos das fases ou roubando-as dos inimigos; cada arma tem uma vantagem e uma desvantagem, então é aconselhável sempre trocá-as adequadamente para enfrentar os inimigos com mais facilidade; conforme Enoch apanha, a armadura vai se despedaçando, e é aí que você percebe que está morrendo.

Nessa jornada, quatro arcanjos também acompanham Enoch, avisando sobre perigos no caminho (como plataformas que despencam) ou dando dicas sobre a história. Eles também são o motivo pelo qual no jogo é possível nunca dar game over: toda vez que Enoch vai morrer, é só apertar qualquer botão muito rápido para que ele volte à vida (sério) com metade da armadura. Um dos arcanjos também (Uriel) funciona como uma espécie de especial ou summon que Enoch pode soltar quando dá bastante combos nos inimigos.

Basicamente, o jogador prossegue no jogo passando de fase em fase, que correspondem aos andares da torre onde estão os setes anjos caídos, enfrentando inimigos de cenário em cenário, pulando de plataformas perigosamente posicionadas sobre um abismo sem fim, e apanhando dos chefes aleatórios que vêm importunar Enoch no caminho.

 

 

O que se espera ao entrar na tal torre, é que em cada andar se tenha um determinado tipo de inimigo, e ao final desse andar se enfrente o tal anjo dono do andar, levando-o de volta para o céu. No entanto, logo no primeiro andar da torre nós não enfrentamos o anjo dono daquele andar. Nem no segundo. No terceiro sim. No quarto não. Nem no quinto. No sexto sim. Sétimo não. Oitavo não. E assim vai. Ainda por cima, dois desses anjos caídos continuam aparecendo do nada nas fases de outros anjos querendo lutar com Enoch, e é impossível vencê-los. Até o quinto andar, a sensação que se tem é de que Enoch foi feito para apanhar desses inimigos.

Não sei se foi intenção dos programadores querer fugir do esquema canônico de “fase” que se tem comumente em games, mas de fato me incomodou bastante no primeiro andar não ter nenhum chefão esperando. Também me deixou perplexa o fato de eu ter que enfrentar o Azazel várias e várias vezes, perdendo sempre em todas elas porque ele fugia antes que eu pudesse acabar com ele.

 

E dessa maneira, dos sete anjos que foram prometidos de aparecerem e serem enfrentados por nós jogadores, apenas quatro de fato aparecem. E a desculpa para os outros três não aparecerem é bizarra, ficando cada vez mais bizarra conforme Enoch sobe na torre. O primeiro foi engolido por um nefilim de fogo que habitava o próprio andar dele. O segundo, do nada, estava morto. Simples assim. Estamos andando pela fase dele, achando que ele vai aparecer a qualquer hora, do nada um arcanjo fala: “nossa, olha só, ele já estava morto”. E nós jogadores ficamos com um “como assim morto? Do nada?”. Nenhum explicação a mais nos é dada.

Mas o pior ainda está por vir: quando estamos para chegar no topo da torre, a tensão inteira do jogo aumenta, porque é ali que está o chefe dos anjos caídos. Derrotá-lo significaria a vitória das vitórias, e inclusive a salvação do mundo (pois um dilúvio já estava a ser considerado pelo conselho). A subida no último andar é longa. No entanto, quando chegamos lá, ansiosos por uma boa batalha com um chefão, Lucifel nos dá a notícia:

Aparentemente, ele nunca conseguiu sobreviver à queda.

Ou seja, quando esse chefão foi cair para o mundo dos humanos, ele morreu. Quer dizer que todos os outros anjos que estavam lá tinham ficado sem líder e não sabiam. Pior: tinham construído a torre a esmo, porque o manda-chuva não estava lá. E mais: se esse chefão não resistiu a queda, ele deveria ser muito fraco, o que não justificaria ele ser um último chefão, muito menos líder de outros 6 anjos caídos poderosos.

Confusão instaurada, jogo zerado, desapontamento. Não digo que perdi meu tempo, porque as batalhas eram boas e desafiadoras, o gráfico era muito engajante, e o meu interesse estava no limite. Foi uma boa experiência, mas eu precisava de mais. Eu precisava de um jogo completo, com todos os anjos caídos para enfrentar.

A impressão que ficou em mim foi de que os desenvolvedores não tiveram recursos para fazer os outros personagens, mas não do mesmo jeito que a Square-Enix não teve recurso para fazer FFXIII. Eu sinto que eles completaram o jogo para o que eles previam inicialmente, mas esse planejamento inicial já não estava completo. Por quê? Porque o PS3 é o PS3.

Quando eu joguei Catherine também fiquei incomodada com os plot holes de uma das routes. Também me chateou muito ver que os finais não faziam tanto sentido como eu esperava, porque simplesmente o jogo continuou o mesmo, idêntico, até a cena final. E em um jogo onde escolhas afetam a narrativa, isso não pode ser assim.

O que me fez refletir sobre o quanto o Playstation 3 ainda tem a nos oferecer e o quão longe isso ainda está. Por sorte, a Sony negou qualquer desenvolvimento do PS4. Isso significa que ainda há tempo para desenvolver o console. Eu acredito que a equipe de El Shaddai resolveu testar um pouco o console no conceito de cenário – e nisso eles obtiveram muito sucesso, porque o jogo é surreal.

De qualquer maneira, foi uma ótima experiência. El Shaddai é um desafio aos olhos e um desafio a conceitos estéticos. A questão artística que um jogo permite foi muito bem aproveitada, e eu recomendo o jogo por isso. A história também é de interesse, mas é útil o aviso de que ela não está completa, e de que ela falha em muitos aspectos.

Mais info (site oficial): http://elshaddaigame.com/us/index.html

Wikipedia: http://en.wikipedia.org/wiki/El_Shaddai:_Ascension_of_the_Metatron

Clarissa Picolo é mestranda do Programa de Pós-Graduação em letras da UNESP, tendo como projeto de pesquisa estudar a narrativa de JRPGs. Ela escreve como convidada neste blog.